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Solidão e silêncio necessários

No livro Homem Algum É uma Ilha (ed. Agir), Thomas Merton diz que “o silêncio é o pai da palavra… Se dissipamos nossa vida em palavras inúteis, jamais ouviremos qualquer coisa no fundo de nossos corações, onde Cristo vive e fala”

Thomas Merton – Reprodução/ Facebook
A busca e a prática da vida contemplativa sempre inspiraram o monge católico e escritor Thomas Merton, que via na contemplação “a mais alta expressão de vida intelectual e espiritual do homem”. Ao contrário de fuga ou alienação, ela é um estado de vigília ativa, um dos meios de o homem espiritual se manter alerta. Considerava a solidão tão necessária à sociedade como o silêncio à linguagem, o ar aos pulmões e o alimento ao corpo. Não há separação entre vida ativa e vida contemplativa, tempo de agir e tempo de silenciar, contemplar; longe de se oporem, “são apenas duas faces da mesma verdade, os dois aspectos de perfeição que devemos procurar atingir”. Sobre o silêncio, diz ainda que nele aprendemos a fazer importantes distinções. “Os que fogem do silêncio também fogem das distinções… A vida não deve ser olhada como uma fonte ininterrupta de palavras apenas silenciadas pela morte…” Considerado o contemplativo mais ativo do Ocidente, Thomas Merton passou 27 anos no mosteiro de Getsêmani, próximo à cidade de Louisville, nos Estados Unidos, onde conseguiu fazer o que mais pedia seu coração: “abandonar tudo”. Para melhor contemplar o mundo retirou-se dele, como se no silêncio e à distância pudesse vê-lo com maior nitidez. No mosteiro também descobriu que contemplação e compaixão são inseparáveis. “Compaixão e respeito ajudam-nos a conhecer a solidão do próximo, encontrando-o na intimidade da nossa própria solidão”.    
Além disso, “se esta é verdadeira, se aperfeiçoa na compaixão, que é um retorno amoroso ao outro”. Bernardo Bonowitz, abade do mosteiro Nossa Senhora do Novo Mundo, em Campo do Tenente (PR), afirma que o monge nunca voltou atrás nessa descoberta, tinha certeza de que sua contemplação não o distanciava dos outros – ao contrário, era uma total comunhão e implicava em profunda responsabilidade para com os demais. Tanto que para encarnar o que descobrira, escreveu cartas para intelectuais e escritores como Boris Pasternak (poeta e escritor russo), Czeslaw Milosz (escritor e diplomata lituano), e fez contato com líderes religiosos de outras tradições, entre eles o pensador ortodoxo russo Sergius Bolshakov, o erudito zen D.T. Suzuki e o dalai-lama. 
Seu objetivo era compartilhar fraternidade e aprender com eles como colocar a contemplação a serviço da humanidade. Merton sempre procurou a harmonia entre Deus e os homens, entre Lao-tsé e Cristo, nas longas horas dedicadas à meditação, nas práticas monásticas e na escrita, entre tudo o que vive e que morre, entre a renúncia e a conquista de si mesmo, segundo J.C. Ismael, um de seus biógrafos. No final do livro Novas Sementes de Contemplação (ed. Vozes), como que nos desafiando a perseverar na paz e na alegria em meio às constantes solicitações do mundo, o monge trapista resume: “Continua o fato de sermos convidados a esquecermo-nos de nós mesmos deliberadamente, lançar ao léu nossa horrível solenidade e nos unirmos à dança geral”.
 
Há cem anos nascia Thomas Merton (31 de janeiro de1915), em Prades, no sul da França. Estudou e viveu em diversos países e falava fluentemente várias línguas. Convertido ao catolicismo em 1938, três anos depois entra na comunidade monástica dos trapistas de Getsêmani, tornando-se padre aos 34 anos. Os trapistas (o termo deve-se ao fato de que seu primeiro mosteiro foi a abadia Nôtre-Dame de La Trappe) levam uma vida de rígida disciplina, devotada à oração, ao silêncio e aos trabalhos manuais. Thomas Merton é autor de mais de 70 livros, a maioria sobre espiritualidade, e neles dissecou os grandes dilemas humanos. Seus textos são sinceros, profundos, convidam a meditar sobre verdades duradouras. Morreu em 1968, em Bancoc, na Tailândia.

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