Publicidade
Ana Holanda – Vivi Manzur

Quando meus fi lhos estavam com 2 anos, me mudei para o bairro onde cresci – e onde meus pais moram até hoje. Tudo sempre me foi muito familiar ali: as árvores, a calçada, as lojinhas, a padaria, a banca de revistas da esquina. Eu passei minha infância e adolescência caminhando por essas ruas. Percebendo o tempo passar e as casas darem lugar a prédios comerciais. Me recordo dos inícios de tarde, quando voltava da escola, caminhando com uma amiga muito querida, às vezes a gente falava, às vezes silenciávamos. Mas a fome era sempre grande. E, entre os pratos que eu mais adorava ver na mesa, quando chegava em casa, estava o bife à parmegiana: suculento, macio, sem ser muito oleoso. E invariavelmente muito saboroso. Ver aquela travessa me dava uma felicidade gostosa. Cresci, segui meu caminho, tomei decisões acertadas e algumas erradas. Eu queria demais cortar meu cordão umbilical com meus pais. Fui morar num bairro distante. Mas, quando meus fi lhos nasceram, senti falta da minha mãe. Voltei para o bairro onde minha histó- ria começou.

Publicidade

Às vezes a gente precisa dar muitas voltas para depois retornar para a própria essência. Hoje, me sinto mais próxima das minhas raízes. E talvez por isso a vontade de cozinhar, uma forma de expressão tão afetuosa, tenha se agigantado dentro de mim. Dia desses, vi uma frase em um cartão-postal: “Where do you feel most at home?” (onde você se sente mais em casa?). Gostei, me identifi quei e fotografei. Comentando com uma amiga, ela me pediu uma resposta: “Onde?”. Disse que o lugar que fazia me sentir mais em casa era o meu bairro. Era ali onde estavam as minhas referências. Faz sentido para mim, porque o bairro em que cresci e moro ainda hoje é onde me sinto bem. E é nesse ponto que a comida entra. Você pode se sentir em casa no seu bairro, cidade, país – ou em um endereço pouco habitual: “Fui a Paris e senti que ali era minha casa”. Tudo bem. Qualquer lugar pode fazer você se sentir em casa, geografi camente falando. Mas o mais incrível da comida é que por meio dela você pode retornar à sua casa, sua essência, sua origem. Basta sentir um aroma familiar, um sabor que lhe acende uma lembrança e a conexão acontece.

O bife à parmegiana da minha mãe sempre irá me levar para a adolescência; a sobremesa de travessa conhecida como delícia de abacaxi, para a infância; a tapioca e o queijo de coalho, para as minhas férias em Recife; o sorvete de pitanga (com as mais vermelhas), para o quintal da minha avó. E isso é lindo, incrível, encantador. A saber, esta coluna também signifi ca um retorno. Há 11 anos, fui convidada para ser editora da BONS FLUIDOS. No meu tempo de revista, engravidei dos meus filhos, gêmeos, hoje com 8 anos; ganhei dois prêmios de jornalismo; e um tanto de amigos que fazem parte da minha vida. Então, voltar a ter um espaço na Bons (é assim que eu carinhosamente a chamo) é também me sentir “de volta para casa”. Obrigada pela acolhida.