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Vermelho maravilha

O fruto do tomateiro tem usos variados. Pode reinar absoluto nos molhos ou aparecer como coadjuvante colorindo com delicadeza saladas, tortas, omeletes ou mesmo caldas doces

Vermelho maravilha – iStock
Sobre a desgastada tábua, uma faca bem a ada corta ao meio o fruto vermelho intenso. Sua polpa carnuda solta um pouco de água, mas antes que ela penetre na madeira dedos longos e firmes salpicam sal sobre as duas metades. “Morda como se fosse uma maçã e sinta o gosto.” Foi assim que eu, então com uns 3 ou 4 anos de idade, degustei um tomate cru com meu pai, comendo-o como fruta. Ainda hoje guardo na memória a sensação de perceber os dentes penetrando no sumo até chegar à pele e rompê-la, para depois sentir as sementes roçando o céu da boca – uma delícia tão boa que a partir desse dia passei a adorar tomate. Com alguns frutos, queijo, sal e azeite faço uma apetitosa salada. Se tiver ovos, crio uma omelete. Quem sabe não asso tomates recheados com atum – isso para não mencionar o básico molho do macarrão. Sem exageros, o tomate é um alimento universal e integra o cardápio de quase todos os países. Só para citar alguns, pense nas nações banhadas pelo Mar Mediterrâneo. “Ali não há lugar que não o consuma. Ele integra a maior parte da culinária mundial, com exceção do Japão e da China, que o usam somente em molhos”, afirma a chef e consultora Rita Corsi, ex-professora de história da gastronomia nas Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo.
O primeiro era míni
O solo e as condições climáticas do Mediterrâneo foram pródigos para produzir ótimos tomates, entre eles o San Marzano, nascido na Itália e assumidamente preferido por todos os chefs do planeta quando o assunto é um molho perfeito. Alongado, carnudo, suculento e de pouca acidez, resultou do cruzamento de três variedades e tornou-se referência gastronômica. “É apenas com ele que os italianos fazem a pizza napolitana. Com outro tipo de tomate ela simplesmente perde seu pedigree”, conta Rodrigo Queiroz, proprietário do restaurante Tre Bichieri, de São Paulo. Além de preparar massas com o San Marzano, o chef investe na versão míni para saladas e finalização de pratos.
Cereja, pera e sweet grape (uva doce, em inglês) são as três espécies nanicas mais comuns encontradas por aqui. As duas últimas variam do tomate-cereja, cujo sabor é mais ácido e a polpa é quase inexistente para fazer caber ali dentro uma infinidade de sementes. Por causa dessas desvantagens, produtores apostaram no cultivo de outros tipos, mais carnudos e doces, cativando o paladar da maioria das pessoas, inclusive das crianças. Ser míni, veja que curioso, é a origem do tomate. “Pequenina, amarela, tipo o tomate-cereja de hoje, era fruta nativa, dava à vontade, dispensava cultivos”, escreve Danuzia Barbara no livro Tomate – Sabores e Aromas da Boa Lembrança (Senac Rio), ao citar os primórdios do fruto nativo da região entre Peru, Bolívia e Equador. Dali foi levado para o México, sendo chamado de tomatl, e depois seguiu para a Europa por meio dos conquistadores espanhóis.
Antes de ganhar as cozinhas do mundo, ele amargou um período inglório de discriminação. Ao aportar na Europa, era usado apenas como planta ornamental. Diziam que era venenoso, capaz de matar uma pessoa; coitado do tomate. Tudo isso porque foi confundido com a mandrágora, planta de frutos semelhantes utilizada pelas ditas feiticeiras, na Idade Média, e também por ser considerado afrodisíaco – algo maligno aos olhos da Igreja e fato que deu a ele o nome de pommo d’oro na Itália, em uma derivação de pomme d’or (maçã de ouro), em francês.
Apesar de um produtor de plantas inglês ter escrito, em 1596, que “essas maçãs do amor são comidas no estrangeiro”, o primeiro registro do seu uso na culinária foi em 1692, após a publicação de um livro de receitas em Nápoles. Por volta de 1700 já havia sete tipos de tomates na Europa, inclusive um vermelho, derivado do cruzamento de variedades.
Tipo longa vida
No Brasil, os tomates mais comuns são Débora, Carmem, caqui, italiano, holandês – ou em cachos–, momotaro, cereja, pera e sweet grape. Desses, o menos apetitoso é o Carmem. É um fruto modificado, classificado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) como “longa vida”. Não é vendido “na caixinha”, mas é quase como se fosse. A nal, foi planejado para resistir ao impacto do transporte e para durar mais tempo na feira, no supermercado e na sua casa, podendo sobreviver, fora da geladeira, por mais de 15 dias. Apesar da vantagem aparente, o Carmem perde inúmeros pontos nos quesitos sabor e aroma. Quase não tem gosto, é branquicento por dentro e mais ácido – impossível fazer um molho com ele. Por causa disso, costuma ser usado em saladas bem temperadas. “Não se trata de um tomate transgênico, e sim de um tipo mutante natural, dotado do gene rin, que garante a durabilidade, mas interfere negativamente no aroma e no sabor”, explica o técnico em hortaliças Leonardo Boiteux. O Débora, também conhecido por Santa Clara, é muito usado para fazer molho – apesar de os chefs indicarem o tipo italiano ou o San Marzano enlatado como melhor opção. “Já nas saladas, os tomates caqui e o momotaro ganham espaço junto com os mínis”, diz a professora de gastronomia Flavia La Villa.
Não se sabe ao certo quantas espécies desse fruto vermelho existem no mundo – os produtores costumam fazer cruzamentos que originam alguns tipos bem exóticos –, mas a contagem passa fácil das quatro centenas. A Sambalina Sementes, de Nova Petrópolis (RS), comercializa diversos. Entre eles há o Kim Preto, uma variedade que tem cor para lá de diferente – quase roxo –, e o Tomate para Viagens, que de tantos gomos lembra uma mexerica. Vale saber: a empresa é adepta do cultivo orgânico e combate as pragas com a ajuda de outras plantas, que fazem o papel de pesticidas naturais.
 
Bucha e sabão
Os tomates, no entanto, carregam a fama, nada agradável, de receber doses maciças de agrotóxico. É claro que existe sempre a alternativa de comprar a versão orgânica, produzida sem defensivos e a ns. Caso isso não seja possível, é preciso limpá-lo ao máximo. A Embrapa explica que essas substâncias são usadas pelos agricultores para proteger a pele do fruto por alguns dias e que se degradam aos poucos, em contato com a água e com o sol. Porém, isso não evita que sobrem vestígios desse material tóxico no tomate. Algumas medidas ajudam a minimizar seu efeito danoso ao organismo. Uma delas é, na hora da compra, levar apenas aqueles que estiverem íntegros, sem furos ou cortes. E, em casa, é preciso esfregar bem a pele com bucha e detergente. Água sanitária, bicarbonato e vinagre combatem micro-organismos, mas, no que se refere à toxicidade, nem passam perto dos defensivos agrícolas. Cozido, ele rende um bom molho. Mas é também um delicioso ingrediente em diversos pratos e até mesmo em sopas. Fora o sabor agradável, o tomate faz um bem danado para a saúde. “A pele é rica em licopeno, antioxidante que previne câncer da próstata, e é mais bem absorvido quando cozido ou industrializado, como extrato de tomates. O fruto também tem vitaminas C e A e avonoides, que reduzem o risco de a pessoa desenvolver doenças do coração”, elenca a nutricionista Hevoise Fátima Papini, de São Paulo. Pesquisas recentes também mostraram que ingerir dois copos por dia desse suco fortalece os ossos e pode evitar a osteoporose. A chef Rita Corsi é enfática ao afirmar que esse é um ingrediente ultraversátil. “No Brasil, é item básico da lista de compras. Ele não falta, por exemplo, em uma boa peixada para colorir e umedecer o peixe.” Na Itália, Espanha e Portugal, é fundamental como o azeite. Colore a guacamole mexicana, dá cor e sabor ao dhal (cozido de lentilhas indiano), turbina o hambúrguer e vem ganhando espaço entre as sobremesas contemporâneas
na forma de sorvetes, su ês e caldas. Não é de estranhar, portanto, que até o poeta Pablo Neruda tenha se rendido a seus encantos e escrito, em sua Ode ao Tomate, que o fruto “tem luz própria, majestade benigna. Devemos, por desgraça, assassiná-lo: mergulha-se a faca em sua polpa vívida, uma víscera vermelha, sol fresco, profundo, inesgotável”. O ponto ideal de consumo é o do tomate bem maduro, por isso recomenda- se deixá-lo fora da geladeira, em local fresco. Para tirar a casca com facilidade
antes de fazer o molho, a dica vem do chef Rodrigo Queiroz:
1. Retire o olho (parte superior, onde fica o cabinho).
2. Com faca de ponta na, faça uma cruz na outra extremidade.
3. Mergulhe em água fervendo e conte até dez.
4. Em seguida escalde em água gelada.
5. Depois tire a pele e as sementes.

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