Publicidade

Em conexão com o mundo sutil

Ao acender um incenso, você está se aprontando para ligar-se a um outro plano. Isso dá uma beleza espiritual ao ambiente e, para quem acredita, leva nossos pedidos aos deuses

Em conexão com o mundo sutil – Cristian Baitg / iStock
No apartamento da arqueóloga carioca Fernanda Camargo-Moro, as pedrinhas de olíbano – uma das primeiras resinas da História usadas como incenso – eram guardadas como tesouro. Mas, facilmente, serviam de presente a quem, em uma conversa informal, demonstrasse paixão pelo tema. Fernanda faleceu no início deste ano. Deixou um legado encantador. Fez a rota do olíbano pela Arábia e falava com amor e conhecimento sobre essa fumaça perfumada capaz de provocar um sentimento de enlevo no homem desde muito tempo atrás. Em suas muitas viagens pelo deserto (que renderam diversos livros), ela encontrou reminiscências dessa substância resinosa que, ao ser queimada, espalha aroma intenso.
Um dos vestígios mais curiosos leva à rainha de Sabá, que teria vivido no século X a.C. (período anterior a Maomé) na região entre a Etiópia e o Iêmen. Ali, as incensadeiras, como são conhecidas as árvores de olíbano, e os sítios arqueológicos contendo informações sobre produção e distribuição da resina confirmam a tese de que teria mesmo existido esse reino e essa rica personagem da cultura árabe. Fascinada pelo rastro dessas fumaças, seu comércio e lendas, Fernanda refez o caminho dos mercadores que, em seus camelos, e, à época, sem mapas ou trilhas preestabelecidas, levavam o incenso do Iêmen para a Europa em uma jornada perigosa de mais de seis meses.
O perfume de ambiente para viver bem, como se referia a antropóloga, é muito antigo. E de muita importância. “Existem evidências – incensários com restos de resinas e plantas aromáticas encontrados em escavações – de que é utilizado há pelo menos 5 mil anos”, conta o especialista em incenso Martinho Rocha, de São João da Boa Vista, SP.
Nos Vedas, o conjunto de quatro livros do conhecimento mais antigo de que se tem notícia, também há menções sobre rituais com essas fumaças delicadas. “No primeiro livro fala-se do uso dos incensos em cerimônias de casamento e em ritos fúnebres”, afirma o especialista em ioga e vedanta Maykon Bernardo, do Centro Flor de Lótus, de Criciúma, SC. “A pira para queimar o corpo, feita com madeira de sândalo, extremamente perfumada, é uma forma de incensar o morto. O fogo transforma algo material em algo sutil. E a fumaça faz o movimento da busca da espiritualidade, que é ascendente. Sai do chão, o mundo que habitamos, e sobe ao céu, que representa o mundo espiritual.”
Em harmonia com o sagrado
Desde a aurora dos tempos, essas fumaças perfumadas nos ligaram ao divino. O incenso foi um dos presentes dados pelos três reis magos que vinham do Oriente para visitar o Cristo menino. “Entre os cristãos, foi adotado como ritual simbólico no século IV. A partir do século IX, instaurou-se o seu uso no início da missa”, lembra Martinho. O olíbano continua a ser considerado, no Ocidente, o incenso da meditação, da liturgia. “‘Suba a Vós nossa oração pelo perfume do incenso’, destaca o salmo 141”, como bem destaca o estudioso, dono da Milagros Incensos.
“Na Índia, uma das queimas mais comuns é à base da flor tulafi. Esse produto é feito com uma massa de tulafi, ervas moídas e mel apertada contra um filete de bambu”, descreve Maykon. “Em regiões da Europa como a Córsega, no Mediterrâneo, o mais nobre é de Imortelle, conhecida como flor imortal. Já no Brasil, destacaria o breu branco, usado pelos povos indígenas inclusive para purificar ambientes”, complementa. Segundo o professor, a fumaça penetra por todos os lugares e carrega consigo as energias ruins. “Feche o ambiente, abra gavetas e armários e deixe o incenso queimar por inteiro. Depois, quando o ambiente for arejado, ela vai levar consigo as energias ruins, realizando uma defumação completa”, ensina.
Essa fumaça do bem faz mover a energia parada, limpa o ambiente, suaviza o espírito e reverencia o mundo superior. Como uma mensageira que leva nossas mensagens e orações aos deuses.

Publicidade